Object to be Destroyed: Em torno da obra de Gordon Matta-Clark
Object to be Destroyed de Pamela M. Lee aborda a obra de Gordon Matta-Clark em relação às práticas artísticas dos anos sessenta e setenta, um artista conhecido pelos seus “building cuts” que questionam a temporalidade e a conjugação do fenómeno artístico, social e arquitetónico.Ativo nos anos setenta e respeitado no meio artístico e arquitetónico de hoje, permanece obscuro pela história de arte, talvez pelo caracter efémero do seu trabalho que apenas existe em documentação. Pamela Lee sugere logo no início do seu livro, que a obra de Matta-Clark não foi fixada historicamente não tanto pelas dimensões historiográficas, mas sim pela inacessibilidade física para o público contemporâneo- que não deixa de ser um problema da omissão da história de arte. Contudo, os projetos de Matta-Clark nunca poderiam fazer planos para permanecer: o seu contingente era exatamente a temporalidade do ambiente dos edifícios, que tinham quase sempre a demolição agendada. As atividades de Matta-Clark são descritas por Lee como “a sacrificial economy”, evocando as dimensões sociais e ritualísticas do sacrifício e da destruição organizada em volta dos seus projetos. Os cortes nos edifícios foram produzidos entre 1971 até à data de sua morte em 1978, um período de tempo condensado por interrogações sobre a relação entre o espaço e a arte; a visão do espetador através do espaço; o fluxo dos lugares e a dramatização da sua temporalidade.
Splitting, e os acidentes de luz
Matta-Clark queria cortar uma casa ao meio. Um amigo seu possuía uma casa para os efeitos, mas avisou Gordon que a mesma seria demolida dentro de poucos meses, dando autorização para fazer uso da propriedade. A motosserra foi o seu instrumento de trabalho e a destruição inerente à casa foi o que permitiu ao artista o seu uso, a obra desapareceu, apenas restaram fotografias, vídeos e artigos e sem esta documentação não saberíamos da sua existência. Uns veem a obra como uma metáfora, um ready-made como simbolismo de uma casa dividida, outros, prestaram mais atenção à superfície e ao vazio, ao balanço entre o exterior e o interior, o urbano e suburbano, o público e o privado, mas sobretudo violento e luminoso: “cloking the day like a giant sun dial, the house register the temporal duft of its site through the fall of shadows whitin”.
Os visitantes de Splitting foram sendo enganados pelos caprichos das sombras e luz que entraram na casa pelo corte. Funcionando como um relógio de sol, a casa registava a passagem do dia, os encontros dentro da divisão tornaram-se bastante desestabilizadores nos momentos da sua iluminação: as quebras e fissuras do edifício aumentavam dramaticamente. A qualidade límbica do trabalho de Matta-Clark sugere um modo alternativo de receção, recusando as verdades convencionais da casa, mas principalmente exaltando a condição do espetador dentro do espaço que visita.
Day’s End e a experiência cinestésica
Do início de julho a agosto de 1975, Matta-Clark trabalhou secretamente num edifício abandonado de um cais do século XIX localizado em Lower Manhattan. Um local que progressivamente foi esquecido dando lugar a um ambiente marginalizado e de especulações homofóbicas, por ser conhecido como um local frequentado por homosexuais. Numa carta dirigida a um amigo, Matta-Clark descreve o edifício como tendo proporções e luminosidade que faziam lembrar uma basílica e, que dedicou o verão a cortar várias secções de aço naquela doca- um trabalho fisicamente muito exigente. Igualmente exaustivo foi a receção da sua obra que, por motivos burocráticos, foi encerrada no dia de sua abertura pelas autoridades de Administração de Desenvolvimento Económico de Nova Iorque. Nos meses seguintes foi aberta uma investigação contra Matta-Clark, onde o artista defendeu-se dizendo que a sua obra fazia parte do domínio público, sugerindo ainda que o seu acto representava uma contribuição artística para uma cidade em decadência
Embora o corte de Day’s End tenha sido o mais difícil de concretizar até então, poderá parecer, pelo menos à primeira vista, ser relativamente simples na sua configuração. Um desenho esquemático do projeto revela que a maior parte da atividade estava concentrada na fachada oeste do edifício, contendo cinco cortes que ao todo foram espalhados pela sua estrutura. Ao contrário das incisões retilíneas que caracterizaram os projetos anteriores, a maioria destes cortes era circular ou oval. Perceber a localização das incisões e as suas dimensões permitem uma melhor visualização deste projeto, as imagens que se seguem e a seguinte descrição servem de ilustração a esta obra. Assim, o primeiro corte de quase dois metros de largura, foi feito no chão e percorria setenta metros de comprimento, dividindo a largura do espaço. No telhado acima foi esculpido um corte que lembra a chama de uma vela. Perpendicular ao extremo norte deste canal, havia outro semi-circulo que funcionava como uma espécie de porta que abria o edifício para o Rio Hudson. E, no canto sudoeste do armazém, o artista esculpiu no chão um quarto de um círculo que também estava aberto para a água. O mais proeminente dos cortes era uma enorme forma amendoada, colocada obliquamente, que perfurava a parede oeste do edifício, sendo a maior fonte de luz para o seu interior.
A incisão dos cortes foi meticulosamente calculada e estas aberturas para o exterior traçavam o percurso do sol ao longo do dia, começando com um fino arco de luz ao meio-dia que, gradualmente, se transformava num brilho radiante. A manipulação da luz manifestava-se também pelo pequeno corte feito no teto acima do canal, permitindo o aparecimento de um freixo de luz que penetrava sob o chão, desaparecendo ao meio- dia sob a água. As mudanças de luz na escuridão do edifício serviram como componente crucial para a visualização da obra, onde na vastidão do seu interior acontecia uma arrebatadora coreografia de luz e sombra. Pamela Lee realça que, a obra funciona como “a kind of late capitalism pantheon, charting the time of one’s experience within the building as measured by the inexorable drift and spread of light across its darkened surfaces”, afirmando que:
Paradoxically, it was at the end of the day- at day’s exhaustion, so to speak- that the work was most vibrant, most suffused with light. Thus the falling of light on the space was allegorically charged as well. For its passage within Day’s End was structurally coincident with the building’s historical passage into outmodedness, illuminating the twilight of the pier itself.
O uso da luz embebia o carácter sacro do edifício, um efeito já aqui referido que, para Matta-Clark transmitia a grandiosidade da experiência cinestésica dentro do espaço. Os que participaram na sua abertura testemunharam este efeito, como foi o caso de Holly Solomon, colecionadora de arte, que comparou a experiência de entrar no edifício com a de ver pela primeira vez um Michelangelo salientado pelos vitrais de uma catedral. Realçou também que sentira medo quando estava lá dentro, principalmente ao atravessar o canal que Matta-Clark tinha feito no chão, um desafio ameaçado pelos movimentos do seu corpo. Também Joel Shapiro, escultor norte-americano, mencionou que o edifício era um lugar misterioso marcado por uma presença destruidora, um local enorme com cortes de grande escala e perigoso para o espetador, uma espécie de abismo contemplador.
É difícil imaginar a presença deste lugar e principalmente o que levou alguém a entrar neste sitio abandonado e cortar várias partes da sua estrutura, criando um perigo eminente tanto durante o período da sua criação como para a observação da obra finalizada, realça a impossibilidade de escapar à violência do trabalho de Matta-Clark. Em Object to Be Destroyed, Pamela Lee afirma que a “violência” de Matta-Clark trás consequências críticas que rejeitam o niilismo atribuído à sua arte e, introduz duas problemáticas para uma melhor leitura da sua obra: os discursos da fenomenologia e as ligações ao sublime.
Fontes: Pamela M. Lee, Object to be Destroyed: The Work of Gordon Matta-Clark, (Massachusett: MIT Press, 2001)
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