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O destino das imagens, Jacques Rancière
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O DESTINO DAS IMAGENS reúne dois artigos e três conferências proferidas por Jacques Rancière, entre 1999 e 2002, no Centro Nacional de Fotografia, em Paris, e na Academia de Belas-Artes de Viena. Partindo das filmografias de Bresson e de Godard, e das reflexões estéticas de Deleuze, Adorno e Lyotard, o autor questiona, neste conjunto de textos, o estatuto da imagem na arte contemporânea.
O meu título poderia dar a entender uma qualquer nova odisseia de imagens, levando-nos da glória auroral das pinturas de Lascaux até ao crepúculo contemporâneo de uma realidade devorada pela imagem mediática e de uma arte votada aos monitores e às imagens de síntese. Mas o meu propósito é outro. Ao examinar o modo como uma certa ideia do destino e uma certa ideia da imagem se enlaçam nos discursos apocalípticos trazidos pelos ares do tempo, gostaria de formular a seguinte questão: será mesmo uma realidade simples e unívoca aquilo que nos falam? Não existirão, sob essa mesma designação- imagem-, diversas funções cujo ajustamento problemático constitui, precisamente, o trabalho da arte? Talvez seja possível, a partir daqui, refletir numa base mais firme acerca do que são as imagens da arte e as transformações contemporâneas do seus respetivo estatuto.
A arte é feita de imagens, quer ela seja ou não figurativa, quer nela se reconheça ou não a forma de personagens e de espectáculos identificáveis. As imagens da arte são operações que produzem um desfasamento, uma dissemelhança.Durante muito tempo, ser semelhante passou por ser uma propriedade da arte, precisamente quando uma infinidade de espectáculos e de formas de imitação lhe eram prescritos. Não ser semenhante passa hoje por um imperativo da arte, num momento em que fotografias, vídeos e fileiras de objetos semelhantes aos do dia-a-dia ocuparam nos museus o lugar de telas abstratas. Mas este imperativo formal de não-semelhança é ele próprio tomado numa dialéctica singular. Porque a inquietude ganha: não será esta não-semelhança uma renúncia ao visível, ou então uma submissão da riqueza concreta a operações e artificios que encontram na linguagem a sua matriz?A imagem da arte separa as suas operações da técnica que produz semelhanças. Mas é para reencontrar no seu caminho uma nova semelhança: aquela que define a relação de um ser com a sua proveniência e a sua destinação, aquela que dispensa o espelho a favor da relaçao imediata do genitor e do engendrado: visão face-a-face, corpo glorioso da comunidade ou marca da própria coisa.
Jacques Rancière